Fisco aperta controlo no comércio a retalho, restauração e eventos

Os trabalhadores independentes, em particular advogados, notários, técnicos e revisores oficiais de contas vão ter este ano um controlo mais apertado do Fisco. Na mira da Administração Tributária (AT) está ainda a promoção e mediação imobiliária, as manifestações de fortuna e acréscimos de património não justificado, bem como as empresas de comércio por grosso e a retalho e a restauração e organização de eventos. Estes são alguns dos sectores apontados como prioritários no Plano Nacional de Actividades da Inspecção Tributária e Aduaneira para 2015 (PNAITA), a que o Diário Económico teve acesso.

“A AT assumiu como desafio uma mudança de paradigma, deixando de focalizar a sua actuação na repressão e sancionamento do incumprimento, para apostar activamente no apoio e promoção do cumprimento voluntário” através de “formas de actuação mais imaginativas ligadas à prevenção da fraude”, assinala o PNAITA. O documento recorda a introdução do sistema e-factura em 2013, aliada à factura da sorte e à declaração mensal de remunerações que, frisa, vieram dotar o Fisco de informação “extremamente útil, permitindo não só o cruzamento com as demais obrigações declarativas como o cruzamento de informação entre sujeitos passivos”.

A actuação preferencial dos inspectores tributários incidirá nos reembolsos de IVA, nos fluxos de pagamento com cartões de débito e crédito, na identificação de operadores não registados e de ocultação de operações, tendo também como foco as operações bancárias suspeitas.

A ordem é também para cruzar os valores das facturas declarados em IRS com os montantes registados pelo sistema de facturas electrónicas das Finanças. Os contribuintes que declaram rendimentos através do anexo B da declaração de IRS – empresários, profissionais liberais e os chamados recibo verdes – são umas das principais prioridades do Fisco em 2015. Para apertar o cerco à evasão fiscal, a AT criou um alerta automático, no momento de submissão da declaração do IRS, quando os valores declarados no anexo B divergirem do valor da facturação emitida.

No comércio a retalho – que abrange áreas como vestuário, equipamentos electrónicos e informáticos, materiais de construção e a área alimentar (supermercados e hipermercados) -, as Finanças vão seleccionar para serem inspeccionadas sociedades com margens de comercialização baixas, divergências de IVA liquidado e dedutível e ainda que apresentem discrepâncias entre os rendimentos declarados. Juntam-se ainda os sinais exteriores de riqueza como o estilo de vida dos sócios das empresas e intervenientes.

Já ao nível da mediação imobiliária, as operações são de difícil controlo pela ausência de emissão de factura referente à comissão, pelo que o Fisco tem adoptado estratégias pró-activas de aquisição e partilha de dados juntos das entidades do sector. O objectivo é optimizar o processo de cruzamento de dados.

AT aperta cerco a fraude carrossel

Já nas áreas de actuação preferencial, o PNAITA destaca que estão debaixo de olho do Fisco os grupos económicos, os esquemas de planeamento fiscal agressivo (no qual grandes empresas podem transferir artificialmente os lucros, para minimizarem a taxa de imposto efectiva e reduzirem os encargos fiscais).

As baterias do Fisco estão também apontadas, até ao final de 2015, à identificação de esquemas de fraude carrossel – que implica um circuito de operações que envolve dois ou mais Estados-membro montado com o único objectivo de obter indevidamente IVA do Estado. Este último tipo de fraude surge como um problema de resolução prioritária para as administrações fiscais ao ser apontada como uma das principais responsáveis pela perda de receita fiscal em sede de IVA. O esforços em combate-la são explicados pelo peso da receita de IVA no total de receita fiscal: em 2015, o Governo estima que o IVA renda aos cofres estatais 14,5 mi milhões de euros, cerca de 40% do total de receita prevista (38,9 mil milhões).

“Efectivamente a fraude fiscal já não se limita a delapidar o património do Estado, uma vez que já não consiste apenas em deixar de pagar o imposto que é devido, verificando-se frequentemente que o defraudador recupera imposto que nunca chegou a ser pago/entregue nos cofres do Estado”, lê-se no documento. São ainda apontadas baterias à detecção de operadores económicos com “esquemas fraudulentos de facturação falsa”.
Sociedades com operações de reestruturação e participações sociais em entidades não residentes e transacção de cupões/vouchers na internet estão também este ano debaixo do radar da AT.

Todos os países na Europa “disputam os grandes contribuintes”

Directora-geral do fisco garante que continua de pé o projecto para averiguar a situação patrimonial dos contribuintes mais ricos.

A competição é global e, na luta pela captação de receitas, os grandes contribuintes são um alvo apetecível. A directora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), Helena Borges, garante que o fisco está a trabalhar para identificar os contribuintes com património e rendimentos mais elevados que possam aproveitar as malhas da lei para pagar menos impostos, mas avisa que a questão é mais complexa do que parece por causa da competição fiscal internacional.

Na Europa, “todos os Estados-membros disputam os grandes contribuintes”, afirmou aos deputados da comissão de orçamento e finanças, onde foi ouvida nesta quarta-feira.

A AT identificou 240 contribuintes com um património superior a 25 milhões de euros ou rendimentos acima de cinco milhões de euros, mas cujo rendimento total declarado foi de 164,2 milhões de euros, o que equivale a uma média de 684 mil euros por sujeito.

A compilação destes dados chegou esta semana à comissão parlamentar, mas Helena Borges diz que é preciso olhar com cautela para os números e que não devem ser retiradas conclusões precipitadas, porque não é claro se há, ou não, aqui um “comportamento desviante”.

A responsável do fisco diz que há várias variáveis em jogo. Por exemplo, destas 240 pessoas “pode haver contribuintes que não tenham rendimento, que só tenham património” ou que muitos deles sejam “residentes não habituais”, que, diz, são um aspecto crítico na tributação internacional. E é preciso ainda considerar que a AT não está a analisar o património líquido, acrescentou.

No documento que fez chegar à comissão de orçamento e finanças, a AT refere um estudo veiculado pelo banco suíço UBS que identificou, em Portugal, 930 contribuintes com um património líquido superior a 30 milhões de dólares que se enquadram no grupo de contribuintes que as administrações fiscais admitem ser mais propensos a recorrer ao planeamento fiscal agressivo.

A directora-geral da At esclareceu que estes números podem variar em função do critério que se utiliza para definir estes “contribuintes de elevada capacidade patrimonial”. O fisco cruzou informação interna escolhendo um critério – os contribuintes com património acima de 25 milhões e rendimentos superiores a cinco milhões -, daí que se tenham encontrado 240 indivíduos. “Se se tivessem escolhido 25 milhões de património e um milhão de rendimento, provavelmente tínhamos logo mil [contribuintes nestas situações]”, justificou.

Para identificar mais contribuintes, admitiu Helena Borges, o fisco pode ir mais longe. “Podemos sempre ainda fazer mais só com os meios que temos”; não é preciso “estar só à espera que seja o legislador a alterar a lei”.

A responsável afirmou, no entanto, que a AT se limita a actuar em função da lei. E assim remetia a responsabilidade para o legislador, indo ao encontro da posição do ex-director-geral do fisco José Azevedo Pereira, que de manhã esteve a ser ouvido no Parlamento. “[A AT actua] seja qual for o quadro legal, que não é uma escolha nossa”, afirmou Helena Borges.

Helena Borges esclareceu que em 2012, quando Azevedo Pereira estava à frente da AT, foi constituída uma equipa autonomamente na dependência do director-geral centrado nas grandes fortunas, mas que esse grupo (de seis pessoas) foi depois integrado (em 2014) numa unidade “mais alargada” que absorveu as atribuições daquela equipa inicial.

De manhã, o ex-director-geral defendeu que o fisco deve ter acesso a mais informações bancárias. Mas para apertar a malha às situações que potenciam a evasão fiscal, disse, cabe aos deputados alterar a legislação.

Análise a 240 fortunas levou Fisco a acções de controlo sobre 44 casos

Directora-geral da autoridade tributária garante que o projecto para averiguar contribuintes com património acima de 25 milhões de euros se mantém de pé. Sigilo bancário continua a ser um obstáculo.

A análise realizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) à situação fiscal das grandes fortunas – abrangendo um universo de 240 contribuintes com mais de 25 milhões de euros em património e/ou cinco milhões de euros de rendimentos – levaram o fisco a apertar o controlo sobre quatro dezenas de indivíduos ou empresas no ano passado. As averiguações limitaram-se essencialmente à esfera das empresas relacionadas no universo destes contribuintes, porque continua a haver obstáculos pelo caminho.

Num documento enviado à comissão parlamentar de orçamento e finanças sobre os contribuintes de altos rendimentos, o fisco reconhece que há “dificuldades associadas ao levantamento do sigilo bancário ou à aplicação de métodos indirectos a este segmento de contribuintes”. A questão coloca-se “particularmente” em relação aos contribuintes não registados como estando a exercer actividade em nome individual.

Os impedimentos não se ficam por aqui. A AT diz ter dificuldade em obter informação quando as pessoas em causa estão protegidas pelo sigilo profissional, ou simplesmente por causa da demora no acesso aos dados pedidos aos bancos e às administrações fiscais de outros países.

As dificuldades reconhecidas pela AT ganharam actualidade na comissão de orçamento e finanças desta quarta-feira, onde foram ouvidos Helena Borges, directora-geral da AT, e José Azevedo Pereira, que liderou a máquina fiscal entre 2007 e 2014.

As audições surgiram depois de uma entrevista recente deste ex-responsável à SIC Notícias, onde este denunciou que há um segmento de contribuintes de elevados rendimentos que têm capacidade de influenciar o legislador.

Azevedo Pereira dissera à SIC Notícias ter ideia de que “boa parte” da equipa centrada nos contribuintes de elevada capacidade patrimonial se teria desagregado. Mas a actual directora-geral do fisco esclareceu nesta quarta-feira que o projecto sempre esteve de pé e que continua a existir, agora integrado na Unidade de Gestão da Relação com os Contribuintes (UGRC). Ao todo, em 2015 houve 44 acções de controlo sobre esses 240 contribuintes. Segundo a AT, as acções foram levadas a cabo pelas direcções de Finanças de Lisboa, Porto, Santarém e Setúbal, estando concluídas “mais de 60%” das averiguações.

Na comissão de orçamento desta quarta-feira, o ex-director-geral defendeu que, para se apertar a malha às situações que potenciam a evasão ou o planeamento fiscal, cabe aos deputados alterar a legislação. O fisco precisa de ter acesso a mais informações bancárias, especificou. “Parte do problema é um problema de enquadramento legal”.

Azevedo Pereira afirmou, havendo “alçapões” na lei, estes contribuintes podem fazer planeamento fiscal agressivo, pois são “propensos a arriscar mais do que o cidadão comum”, seja aproveitando o “enquadramento legal até ao limite”, seja indo “além”.

A AT sublinha, aliás, quais são as características específicas deste grupo de contribuintes, identificadas a nível global: “património disseminado por empresas participadas, trusts e fundações; mobilidade internacional e residência fiscal; acompanhamento especializado por consultores fiscais; estruturas e contas bancárias em off-shore”.

Cautela com números
Dos 240 contribuintes identificados pela administração fiscal com um património superior a 25 milhões de euros e/ou rendimentos acima de cinco milhões de euros, o rendimento total declarado foi de 164,2 milhões de euros, o que equivale a uma média de 684 mil euros por sujeito.

Outra conclusão da AT é que, em 2014, estes contribuintes tiveram uma taxa de tributação de 31,4%, sendo que o peso destes 240 sujeitos no montante do imposto arrecadado pelo Estado é de 0,55%.

Helena Borges diz que é preciso olhar com cautela para os números. Não devem ser retiradas conclusões precipitadas, porque não é claro se há, ou não, aqui um “comportamento desviante”. Há várias variáveis em jogo, vinca. Por exemplo, destas 240 pessoas “pode haver contribuintes que não tenham rendimento, que só tenham património” ou que muitos deles sejam “residentes não habituais”, que, diz, são um aspecto crítico na tributação internacional. E é preciso ainda considerar que a AT não está a analisar o património líquido, acrescentou.